Pressa no
julgamento do ‘mensalão’ irrita ministros do STF
Ao retomar, nesta quinta-feira, a
leitura de seu voto na Ação Penal 470, o ministro Joaquim Barbosa, relator do
processo apelidado de ‘mensalão’, assumiu o centro das atenções na 11ª sessão
do julgamento, premido por um adversário invisível: a pressa. A leitura de seu
voto, peça fundamental para a condenação ou absolvição de 37 réus, encontra-se
diante da expectativa de se concluir os ritos do Tribunal a tempo de o ministro
Cezar Peluso votar. Ele deverá deixar o Supremo Tribunal Federal (STF) no
próximo dia 7, após completar 70 anos, idade máxima para a permanência na Corte
Suprema.
Alguns analistas têm a expectativa de
que o ministro relator somente termine a leitura das mais de mil páginas de seu
relatório na próxima semana, por mais que se apresse, após três ou quatro
sessões, em meio a uma série de debates que normalmente surgem entre os
magistrados. O segundo a ler seu voto sobre a denúncia da Procuradoria Geral
será o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo, manifestamente
contrário à agilização dos ritos, seja lá porque motivo for.
Barbosa vai indicar qual a possível pena
para cada réu que ele considerar culpado e organizou a leitura por blocos,
conforme os crimes a que cada um deles é acusado: corrupção ativa, corrupção
passiva, peculato, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão de
divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira. A ordem de votação dos
ministros obedece ao seguinte critério: primeiro o relator (Joaquim Barbosa);
depois o revisor (Ricardo Lewandowski); e em seguida os demais ministros
começando por aquele que tem menos tempo de tribunal (Rosa Weber) até chegar ao
mais antigo, que é chamado de decano (Celso de Mello). O último a votar é o
presidente do tribunal, Ayres Britto. Na ordem natural, Cezar Peluso seria o
sétimo a votar, mas pode pedir para ser o terceiro.
Para o jornalista Ricardo Kotscho, que
atuou como assessor de Imprensa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “o
voto de Peluso está valorizado pelo simples e bom motivo de que o STF parece
rachado ao meio depois de quase 50 horas de julgamento, e um voto pode definir
a condenação ou a absolvição dos 37 réus que restaram. E o voto de Cezar Peluso,
segundo toda a grande mídia, é dado mais do que certo pela condenação, se
possível à pena máxima, dos principais acusados”.
“A divisão do tribunal fica mais
evidente a cada intervenção dos ministros, como aconteceu nesta quarta-feira,
durante a discussão das preliminares do voto do relator Joaquim Barbosa, outro
que também deve pedir a condenação de pelo menos boa parte dos réus. De um
lado, há os que têm pressa (o próprio Barbosa, Gilmar Mendes, seu antigo
desafeto e agora aliado, e o presidente do STF, Ayres Britto), sob a intensa
pressão da mídia, para que a eventual condenação dos réus, com a antecipação do
voto de Peluso, possa influir nas eleições de 7 de outubro”, afirma Kotscho, em
artigo publicado na página dele, na internet http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/2012/08/16/stf-dividido-valoriza-o-voto-de-peluso/.
“De outro, estão os que querem seguir o
cronograma e não aceitam mudar os ritos do julgamento (Celso de Mello, Marco
Aurélio de Mello, Ricardo Lewandowski e José Antonio Toffoli). Os demais pouco
se manifestam e ninguém tem ideia de como eles irão votar. À beira de um ataque
de nervos, sem saber se ficava em pé ou sentado, devido às suas crônicas dores
na coluna, o relator Barbosa, que parece ter transformado o julgamento do
mensalão numa questão pessoal, queria que o STF mandasse um ofício à OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil) denunciando as ofensas que teria recebido dos
advogados de defesa”, segue.
“Após um acalorado debate, em que muitos
falavam ao mesmo tempo, como numa mesa redonda de futebol, a maioria dos
ministros negou a solidariedade reivindicada pelo relator, que começará a ler o
seu voto de anunciadas mil páginas na tarde desta quinta-feira. Os argumentos
apresentados na acusação do procurador-geral Roberto Gurgel e pelas defesas dos
réus podem servir tanto para justificar os votos pela condenação como os que
pedirão a absolvição dos réus. Com tantos políticos envolvidos no processo e o
clima de beligerância no tribunal, é humanamente impossível que o julgamento
não seja político”, afirma o jornalista.
Divergências
A divisão da Corte quanto à celeridade
do julgamento vem acirrando os ânimos de alguns ministros, principalmente as
relações já nada tranquilas entre Joaquim Barbosa, o relator, e Ricardo
Lewandowski, o revisor. Hoje, existe uma espécie de mal-estar entre os dois,
embora não admitam abertamente. Apesar de nunca terem sido próximos, as
relações ficaram mais distantes nos últimos dois meses. Desde junho,
Lewandowski demonstra desconforto: primeiro com a marcação do julgamento do
mensalão, depois com as pressões para a entrega do processo revisado, no final
de julho. Algumas dessas pressões vieram justamente de Barbosa, relator do processo.
Os ministros Marco Aurélio de Mello e
Celso de Mello também manifestaram preocupação a auxiliares e assessores por
conta do ritmo acima do normal no julgamento do mensalão. No caso do ministro
Celso de Mello, isso ficou claro durante a análise de uma preliminar nesta
quarta-feira, quando ele quase foi impedido de fazer suas exposições pelo
presidente do STF. Marco Aurélio chegou a reclamar: “estamos aqui numa
maratona”, afirmou o ministro. Outros magistrados também são contrários à
pressa na análise da ação penal, um deles é Lewandowski, o ministro revisor.
O receio destes ministros é que o
Supremo transforme-se, nas próximas semanas, na Corte de um processo só,
sacrificando outros processos nos julgamentos de turmas e também os habeas
corpus que são fruto de decisões monocráticas (individual) dos ministros.
Barbosa, por sua vez, já se manifestou claramente favorável à rapidez. Disse
que sempre foi a favor que o processo andasse o mais rápido possível, tanto que
a sua fase de instrução demorou pouco mais de quatro anos, considerado por ele
um recorde. Toda essa pressa já causou uma baixa entre os réus, devido a um
erro na Secretaria do STF, que convocou o advogado errado de um dos acusados,
cerceando o seu direito à defesa
Caixa 2
A tese de que o ‘mensalão’ nunca existiu
e se trata de uma peça de ficção criada por Roberto Jefferson, ex-deputado
cassado do PTB e um dos réus no processo, e encampada pela Procuradoria-Geral
da República, ganha corpo quando o jornalista Fernando Morais, autor da
biografia do ex-ministro José Dirceu, acusado de ser o chefe de um esquema
criminoso, disse que o petista deveria fazer sua própria defesa no STF. Segundo
o escritor, o julgamento é político, e não jurídico.
– Dirceu, que é o personagem mais
importante (entre os 38 réus do processo), não está sendo julgado pelo
‘mensalão’, mas pelo que ele foi ao longo da vida. O que está sendo julgado aí
é o PT, é o governo Lula – disse o escritor ao diário conservador paulistano
Folha de S. Paulo. Na edição desta quinta-feira, o jornal afirma que “Morais
concorda com a tese de alguns dos advogados, como o do ex-tesoureiro do PT
Delúbio Soares, de que o que ocorreu foi um esquema de caixa 2 para pagar
dívidas da campanha, e não compra de apoio político”.
– Até os paralelepípedos da Barra Funda
sabem que todas as campanhas políticas do Brasil são feitas com caixa 2 – disse
Morais, que já foi deputado estadual pelo PMDB nos anos 1980.
Morais, segundo o diário, teria admitido
sua culpa por um crime eleitoral:
– Você ia buscar dinheiro nos grandes
comitês, dinheiro que era dado para os candidatos em sacos de dinheiro,
pacotes, envelopes. É um crime eleitoral, não é penal. O que querem provar, não
sei se vão conseguir, é que se usou dinheiro público. Acredito que não houve –
afirmou aos jornalistas.
Morais afirmou “não ter qualquer motivo
de natureza “pessoal, ideológica ou política para defender os réus”. Em 2005,
diz o jornal, “ele testemunhou em defesa de Dirceu no Conselho de Ética da
Câmara. Autor dos livros Chatô e Olga, Morais produz hoje as biografias de
Dirceu, do senador Antonio Carlos Magalhães (morto em 2007) e do ex-presidente
Lula –projeto que foi interrompido por conta do tratamento contra o câncer, mas
que já foi retomado”.
– O (livro) do Dirceu parou. Fui a Cuba
com ele, visitar lugares onde ele foi treinado. Mas aí veio a cassação, veio o
mensalão, o processo. E não tinha muito sentido tocar um projeto com o cara
preocupado com a defesa dele – concluiu.
FONTE: CORREIO DO BRASIL
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