A CEPLAC É ÚNICA
UMA CONTRIBUIÇÃO À REVITALIZAÇÃO
DE UMA INSTITUIÇÃO, ONTEM MODELO E,
HOJE, AMEAÇADA DE EXTINÇÃO.
LUIZ FERREIRA DA SILVA, 79
Pesquisador aposentado da CEPLAC
Ex-Diretor do CEPEC (1979-81), ex-Chefe
da CEPLAC/Amazônia (1982-85) e ex-Coordenador-Adjunto (1986).
luizferreira1937@gmail.com
Cel. 99313-1030
De vez em quando, ouço falar que a
CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) não tem mais sentido,
por confluir suas atividades às da EMBRAPA (Empresa Brasileira Agropecuária de
Pesquisas) ou mesmo com a UESC (Universidade Santa Cruz). No primeiro caso,
pela sobreposição de atividades e, no segundo, por colidir no mesmo espaço
geográfico.
O modelo da CEPLAC transcende a qualquer
instituição rural, quando sob uma mesma cabeça, 4 membros se articulam de modo
sistêmico: Pesquisa, Extensão, Ensino e Apoio ao desenvolvimento.
Os resultados comprovam tal assertiva,
incluindo a formação de uma mão-de-obra de excelência nos 3 pilares dos
recursos humanos: técnico, operacional e administrativo.
Esta concepção de interação de
atividades voltadas ao homem do campo mereceu reconhecimento no pais (EMBRAPA)
e internacionalmente (IICA/OEA), ficando gravada nas palavras do Presidente
Geisel quando assim se expressou: - Feliz do Brasil se tivesse várias CEPLACs.
Esta é a Instituição que me formou e,
que hoje, vem se deteriorando a olhos vistos, sendo até ameaçada de extinção,
haja vista a insensatez dos governos pós-revolução.
O primeiro mau sinal foi o encaixe no
MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), à martelo, como um
corpo estranho e sem importância. Uma figura díspar numa estrutura mais voltada
a funções normativas e de fiscalização.
Ao invés desta irrelevância, o MAPA
poderia preencher uma lacuna – a presença pública no meio rural atendendo
sobretudo aos pequenos e médios agricultores, criando um Instituto, a exemplo
de tantos outros existentes em outros Ministérios – INPE (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais); INPA (Instituto de Pesquisas da Amazônia) – poderia
preencher uma lacuna existente no MAPA, ao tempo em que fecharia o círculo de
abrangência de suas ações agropecuárias.
Refiro-me sucintamente a um Órgão com os
mesmos segmentos existentes na CEPLAC, acrescido de uma Unidade de Cooperativismo
ou Associativismo Rural, pela necessidade de se poder inserir a pequena
produção na economia de mercado, tornando-a competitiva. O seu “core” seria os
cultivos tropicais perenes das regiões vocacionadas para o cultivo do cacau
(Sul da Bahia, Rondônia e Transamazônica), com ênfase em sistemas de
agricultura conservacionista e manejo do solo e da água; levantamento e
monitoramento dos recursos naturais; ecologia florestal, sobretudo da Mata
Atlântica; e recuperação de áreas degradadas.
Haverão de perguntar: E a EMBRAPA? Não
haveria nenhuma superposição de atividades com a EMBRAPA, que é uma empresa
vinculada ao MAPA, com a função de desenvolver pesquisas agropecuárias, não se
constituindo em um Órgão público, como seria o Instituto referido. Pelo contrário,
poderia haver trabalhos em parcerias, sem qualquer competição.
A diferença fundamental dessa nova
CEPLAC é a sua institucionalização como Órgão voltado ao agricultor,
independentemente da sua condição social e econômica, até com mais enfoque à
média e pequena produção, através de um sistema integrado de ação (pesquisa,
extensão, ensino e organização do produtor e da produção), diferentemente da
EMBRAPA, que é uma empresa, além de se constituir num valioso subsídio do
governo ao meio rural, através de seus resultados. O braço público, pois, no
meio rural, e mais ainda pela interação, subsidiando às outras ações do MARE,
sejam as normativas, sejam as de coordenação.
Com a consecução desse órgão (Instituto,
Centro, Fundação), o MAPA também estaria em condições de apoiar atividades de
outros Ministérios, como o da Reforma Agrária e o do Meio Ambiente.
É de bom alvitre reforçar ainda mais a
diferença entre as duas Instituições para melhor elucidação. A EMBRAPA possui
diversos Centros de produtos, tais como soja, fruticultura e mandioca, arroz e
feijão, dentre outros. E adicionalmente, Centros de Recursos como o dos
Cerrados, do Semiárido. Diferentemente, o CEPEC (Centro de Pesquisas do Cacau),
implantado pela CEPLAC em 1962, abrange tanto produtos como recursos, haja
vista as pesquisas e levantamentos tanto nas disciplinas agronômicas (genética,
solos, fitopatologia, fisiologia vegetal, entomologia, engenharia da produção,
tecnologia de alimentos) quanto referentes aos recursos naturais (Pedologia,
Botânica, Climatologia, Fitogeografia).
Dessa forma, o CEPEC, além das
tecnologias de produtos, executa detalhados trabalhos fitogeográficos,
pedológicos e climáticos, além dos acervos importantes como o herbário,
arboretos; de ações ecológicas na Estação Pau Brasil, em Porto Seguro, bem como
a instalação de um fundamental campo de germoplasma, em Belém.
Tudo isso numa mesma unidade de
pesquisa, possibilitando uma melhor aplicação das tecnologias geradas, bem como
facilitando análise e interpretações com vistas a novas ações de
desenvolvimento rural integrado.
Nesse aspecto, para aclarar ainda mais a
concepção integrativa da pesquisa no CEPEC, é preciso se ter esta consciência
que o CEPEC é muito mais que qualquer centro de produto, tentarei explicar na
seguinte hipótese, a seguir:
Suponhamos, como exercício, que um rico
Chinês, assessorado por técnicos, deseja plantar uma determinada espécie
(chamemos de Shiguiling) no Sudeste da Bahia. Reúne-se com os técnicos do
CEPEC, que nunca viram falar da tal planta, mas conhecem a área. O Pedólogo,
conhecedor dos solos, com mapas e dados nas mãos, pergunta como são os terrenos
de lá e, à medida que o Chinês vai descrevendo, o pesquisador vai identificando
as características e diz os locais apropriados para o empreendimento. Em
seguida, o Climatologista solicita informações concernentes e então também
aloca as áreas propícias. O Edafólogo com as informações das exigências
nutricionais, também desenha uma fórmula aproximada. O Fitopatologista e o
Entomologista captam as informações e definem as estratégias de ação para as
doenças e pragas informadas, pois sabem da interação com as nuanças biológicas
dos nichos ecológicos. Mesma coisa o Economista e o Sociólogo, com relação à
mão-de-obra, mercado, transporte. E, assim por diante, Fisiologistas,
Engenheiros da produção, Tecnólogos de alimentos, Fitotecnistas,
Extensionistas, Educadores vão colhendo dados pertinentes.
Em síntese, o grupo pode formatar um
pacote tecnológico para começar, com base na “Opinião Correta” (O que Sócrates
discutira com Meno, desenvolvendo a ideia da opinião certa, valorizando-a em
relação ao conhecimento), com alta capacidade de acerto. Um Centro só de
produto (Mandioca, de Soja ou de Caju) não teria essa capacitação de conjuminar
recursos com produtos com tal possibilidade de êxito.
Em síntese, nenhum Centro da EMBRAPA
possui a magnitude do CEPEC, com sua complexidade multidisciplinar e uma rede
diversificada de estações experimentais. Talvez, por esta razão ela nunca se
interessou em absorvê-lo, como muitos apregoavam. Mesma coisa aconteceu com
relação ao café - excelência científica
no IAC - cujo produto não consta em
nenhum centro específico assemelhado aos de produtos.
Por outro lado, em razão da penúria em
que se encontra a CEPLAC, há quem advogue uma fusão com a UESC, criando-se uma
grande Universidade que se incumbiria do desenvolvimento regional, além de suas
funções de ensino. A princípio, parece uma boa ideia, mas a história não tem
mostrado isso, além das funções ceplaqueanas ultrapassarem os limites da Bahia.
O meu colega e saudoso amigo, Dr. Jorge Vieira, que amava as duas Instituições
e se preocupava com o futuro delas, sempre discutia comigo essa saída que, na
sua concepção, seria exequível.
Há, no entanto, uma série de óbices que
parecem inviabilizar essa ideia; senão vejamos:
* Lembro-me do Dr. Paulo Alvim, há mais
de 50 anos, que criticara Viçosa, sua Escola, pela miséria que continuava a
existir nos arredores da Universidade, sem que ela tenha modificado nada,
tempos depois que ele retornou à ESAV. Mesma coisa, acontece na baixada
fluminense, com a desvinculação da Universidade Rural do Brasil, onde me
formei. Outros exemplos dessa inocuidade: Cruz das Almas, BA; Areias, PB; Dois
Irmãos, PE.
* Quando a EMBRAPA foi criada, lembro-me
da preocupação existente, pois participei como assessor, de se implantar um
modelo, no qual as Universidades forneceriam as pesquisas básicas acopladas às
aplicadas, que seriam da responsabilidade dos Centros de Produtos. Não deu
certo e os Centros da EMBRAPA passaram a ser como o CEPEC, um misto de ciência
e tecnologia e, inclusive tiveram que ser criados os de Recursos, pela
impossibilidade de contar com as Universidades, na magnitude pretendida.
* Uma vez, o CEPEC (eu era o seu
Diretor) tentou junto às Universidades do Sul estabelecer acordos de pesquisas,
incumbindo-as de ciência pura em projetos biológicos ligados à phythoptora,
utilizando os estudantes de pós-graduação, na busca de informações que se
acoplassem às tecnologias, melhorando-as. Simplesmente, analisando a
complexidade - estudo de polifenóis (por exemplo) - disseram que os projetos da
estudantada tinham tempo definido de obtenção de resultados e já formatados em
temas que dariam certo, pois havia o compromisso de formá-los, não podendo
haver uma incerteza com pesquisas que poderiam demandar muito tempo para se
obter informações de apoio às tecnologias (pesquisas aplicadas).
* Sem o compromisso com a tecnologia
vinculada ao agricultor, as Universidades têm priorizado os estudos sem
quaisquer relacionamentos com a sua aplicação direta, mas voltados à pesquisa
básica, porém sem o casamento com a pesquisa aplicada. E, ademais, no atual
momento, elas têm um compromisso com a pós-graduação, uma espécie de fábrica de
mestres e doutores. Dentro desse raciocínio, as duas - CEPLAC e UESC - poderiam
até se complementar, mas não como está acontecendo: duplicidade de laboratórios
e uma concorrência despropositada, como me foi passado, pois estou 23 anos
afastado da região.
* Diferentemente das Universidades, uma
organização como a CEPLAC opera assemelhada às denominadas de P&D. Alguns
exemplos reforçam esse raciocínio. O Estado de São Paulo possui excelentes
Universidades (USP, Campinas, UNESP), entretanto é o velho (125 anos)
IAC-Campinas quem dá suporte ao agricultor; no Paraná, o IAPAR; em Pernambuco,
o IPA; em Minas Gerais, a EPAMIG; no Rio de Janeiro, a FIOCRUZ.
Assim colocada a ideia de uma nova
CEPLAC ou o seu retorno aos idos da década de 90, creio ser importante discutir
por que a região sul baiana ficou omissa ao desmantelamento de tal patrimônio,
construído por sua própria sociedade?
Não se pode deixar de analisar o que
chamo de “síndrome destrutiva sul-baiana”. A sociedade sulbaiana se omitiu ou
permitiu destruir Organizações como o ICB, a SULBA, o CNPC, o Sistema
Cooperativo, a Itaísa. Agora, para muitos, a CEPLAC já era e a UESC é o novo
xodó, que deverá ser a bola da vez, daqui uns anos mais, a se confirmar esse
aparente determinismo.
Eu chego a pensar que se a CEPLAC, ao
invés do eixo Itabuna-Ilhéus, fosse implantada em Londrina (PR), em Campinas
(SP), em Santa Maria (RS) ou mesmo em Campina Grande (PB), ela não teria
chegado a esse estado caótico, pois a sociedade não deixaria. Anos atrás, o IAC
quase foi ao fundo do poço no Governo Maluf, mas se recuperou e continua sendo
o orgulho dos Campineiros, pois a sociedade rural paulista não permitiu tal
insanidade.
Assim, com base nessas considerações,
não parece difícil revitalizar a CEPLAC, sem muita preocupação, num dado
momento, de mexer em quadrinhos e bolar esquemas, modelos e estratégias
gerenciais. Alguns ajustes podem ser feitos, mas o “cerne continua de lei”.
- É só se ater no que a Organização
realizou em seus primeiros 35 anos de vida:
• Elevação
da produção de cacau em 310%, passando de 123 mil toneladas, nos anos 60/65
para 380 mil toneladas, em média, no quinquênio 80/85; assinalando um recorde
de 457 mil toneladas no Ano Agrícola Internacional 1984/85 (Outubro/ Setembro).
• Aumento
da produtividade média das lavouras, de 220 kg por hectare para 740 kg por
hectare;
• Elevação
das receitas cambiais de US$ 50 milhões por ano, no quinquênio 60/65, para US$
620 milhões, em média, no período 80/85;
• O
PROCACAU (Diretrizes para expansão da cacauicultura nacional, 1976-1985)
possibilitou, nas regiões cacaueiras do país, a geração de 80 mil empregos
diretos.
• Na
Amazônia, 11 mil homens sem-terra, migrantes de todos os rincões,
transformaram-se, graças à força do cacau, em prósperos agricultores, cuja
produção de 36 mil toneladas, em 1985, representou o crescimento de 1.800% em
relação ao passado, pois antes da CEPLAC chegar à região, a produção era
semi-extrativa e não passava de 2 mil toneladas anuais;
• Há
também, relevantes resultados no campo da infraestrutura, com destaque para
estradas, pontes, eletrificação rural, escolas rurais, poços artesianos,
indústrias de calcários, etc.;
• E,
mais importante, os investimentos feitos na área de Recursos Humanos, tais
como: formação de mão-de-obra técnica (Técnicos e Práticos Agrícolas) e em
nível de trabalhador rural; e, com destaque na especialização de seu corpo
profissional (Geneticistas, Pedólogos, Fisiologistas, Economistas,
Fitopatologistas, Entomologistas, Educadores Rurais, Extensionistas.), seu mais
importante patrimônio.
• O
resultado alcançado de maior expressão para a cacauicultura mundial e nacional,
foi a formação de um banco de germoplasma na Amazônia na Estação de Recursos
Genéticos "José Haroldo", no município de Marituba, com 1800 acessos,
compreendendo 940 de origem clonal e 877 seminal. Esse patrimônio genético está representado
por 21.475 genótipos procedentes de 36 diferentes bacias hidrográficas, fonte
indispensável de consulta entre todos os pesquisadores e tomadores de decisão
incumbidos de subsidiarem o futuro da cacauicultura mundial.
- Não se pode querer que a Organização
seja operante no estado atual, cujo debacle começou depois da extinção da taxa
de exportação, quando ela foi absorvida pelo MAPA, sem que a sociedade
cacaueira, que a custeou, exigisse de direito o mesmo padrão de qualidade. Não,
omissão total e continuou assim, passando a atacar e denegrir a Instituição,
chutando-a como um cachorro morto.
- A continuar como está, só para manter
as aparências, não é legal e honesto, até em respeito aos seus servidores que a
construíram com abnegação, suor e compromisso com o meio rural.
- De outra forma, havendo decisão
política, cabe ao MAPA criar um Grupo de poucas pessoas, que tenham
conhecimento técnico, vivência institucional e “visgo” do produto, para em uma
“sentada” e com cinco páginas bater o martelo sobre o futuro da CEPLAC. O mote
é azeitar as peças para o retorno da “Fábrica-CEPLAC”. Depois, é depois, e se
vai arrochando os parafusos.
Para tal, é tarefa para a juventude das
regiões cacaueiras da Amazônia (Rondônia e Pará), sobretudo da Bahia, como os
novos produtores emergentes pós vassoura-de-bruxa, que têm demonstrado uma nova
consciência de empreendedores, aos quais reforço a minha convicção de que vale
a pena lutar, junto ao MAPA, pela revitalização desse patrimônio institucional
tão duramente conquistado pelo cacau.
E, finalizando, acredito que hão de
perguntar – “o que esse velho (79 anos), que mora em Maceió, há mais de 20 anos
fora da região, tem a ver com isso? Respondo-lhes sem pestanejar: - “A CEPLAC
foi meu primeiro e único emprego; a minha Escola de aprendizagem técnica; e o
meu vade-mécum de ética profissional”. (Maceió, 20 de fevereiro de 2016)