CAFÉPOINT
Sustentabilidade,
amor, violência e corrupção: reflexões sobre a comunicação
A sustentabilidade é a palavra que mais
causa emoção nos dias de hoje. Não era para ser assim. O termo surgiu de
debates acerca do ideal de desenvolvimento econômico com respeito ao uso dos
escassos recursos naturais de nosso planeta. O debate começou desta forma, mas
conforme ganhou notoriedade e instituições, governos, empresas, celebridades e
políticos se apropriaram da palavra, parece que o termo hoje adquiriu múltiplos
significados.
Virou algo de nosso dia a dia. Aparece
nos telejornais, é tema de aulas para todas as idades, aparece na política, no
marketing, na economia e nos bares e botecos. Sua onipresença gera ruídos de
comunicação. Tornou-se tão comum, que deixamos de pensar em seu real
significado quando a ouvimos. Se parece assim com as palavras “amor”,
“violência” e “corrupção”, de tão faladas e reproduzidas, elas perdem parte de
seu significado e sua capacidade de comover ou gerar reações naqueles que as
ouvem. Ninguém mais se assusta com tanta violência ao abrir um jornal, ou fica
indignado com a corrupção, e mesmo o amor, se torna comum aos olhos de pessoas
e claro, consumidores tão ocupados.
E é quando este conceito chega à mente
dos consumidores que a coisa se complica. Para nós do agronegócio café, é
importante compreender como esta tal de sustentabilidade é interpretada pelos
consumidores de café. Desta forma, fazemos neste artigo uma reflexão sobre como
é esta interpretação, e como é a nossa comunicação.
Para começar, precisamos deixar bem
claro que existem dois mundos diferentes no café: o Brasil e os outros países
produtores. Em média, podemos dizer que os produtores de café na América
Central e México, Ásia, África e América do Sul, exceto Brasil, são de pequenos
produtores com média inferior a 4 ha de café, onde predomina a colheita
seletiva e o uso quase que exclusivo de mão-de-obra familiar.
No Brasil também devemos separar a
produção de café, entre grandes, médios e pequenos cafeicultores. Por aqui,
podemos dizer que a cafeicultura familiar se caracteriza por áreas maiores que
no restante do mundo, de até 20 ha no total, e cuja mão-de-obra é quase que
totalmente familiar . Mesmo assim, é bem diferente da cafeicultura no resto do
globo como vimos acima.
Ao olhar desta forma, percebemos que
muitos dos cafés produzidos no mundo são cafés diferenciados e especiais, onde
a raridade e a forma de produção ajudam bastante na diferenciação e valorização
destes cafés. Porém, a verdade é que grande parte dos produtores no mundo tem
baixo acesso ao mercado, à tecnologia de produção e baixa produtividade. Para
piorar, boa parte do grande diferencial de preço que estes cafés possuem em
relação ao brasileiro não chega os produtores e fica retido na mão de
intermediários.
Sendo assim, como fica a
sustentabilidade? Como comparar sistemas de gestão e produção de mundos tão
diferentes? Como comparar a sustentabilidade da produção em situações tão
complexas?
O problema está nos olhos de quem avalia
o que e sustentável ou não, ou seja, os compradores de café. Para quem está do
lado da produção de alimentos, está muito claro que não existem os famosos
pilares social e ambiental da sustentabilidade sem o pilar mais importante, que
é o da sustentabilidade econômica
A sustentabilidade econômica deveria
sempre ser o primeiro pilar em qualquer análise de sustentabilidade que envolva
a produção de alimentos. Mas parece que o mundo “releva” a importância do
econômico, prevalece muito o social, e depois o ambiental, a depender dos
apelos de quem vende a ideia.
Porque quem avalia, quem tem a visão da
sustentabilidade são os compradores e consumidores. E esta visão do que é a
sustentabilidade se confunde com outras visões, que envolvem o
assistencialismo, a pobreza, a floresta e a agricultura familiar ou de
subsistência. Quando deveria envolver o bem-estar econômico e social dos
produtores e suas comunidades, o respeito ao meio-ambiente e o uso consciente
de recursos, respeitando as gerações futuras.
As imagens que estão na mente dos
consumidores quando olham um produto sustentável se confundem com a
“necessidade de ajudar”. E nisto, as imagens de pobreza, crianças na lavoura, e
florestas são um apelo muito forte para qualquer consumidor com
responsabilidade e preocupado com sua prática de consumo. Sejamos criteriosos,
as imagens abaixo refletem uma produção de cafés sustentáveis? Pois bem, foram
retiradas da internet, em peças de comunicação que falam, justamente, de
sustentabilidade.
Vamos agora olhar o nosso lado da moeda.
As imagens que a cafeicultura brasileira transmite não possuem tal apelo, pelo
contrário, transmitem a imagem: “estamos bem, obrigado”.
Por sua vez, quando vemos os desejos dos
consumidores, temos uma clara lição. Quatro de cinco consumidores da Europa
consideram o impacto ambiental dos produtos que compram . Também consideram em
sua compra a “qualidade”, “marca reconhecida” e “produtos éticos e
sustentáveis” como aspectos premium de produtos. Também desejam estar
associados com marcas boas, responsáveis e rejeitam empresas “do mal” .
Ao olhar tais pesquisas, a empresas
respondem aos consumidores. Uma das formas é a certificação. O jornal Estado de
São Paulo divulgou em 2010 uma pesquisa onde cita que existem 600 certificações
com atributos de sustentabilidade no país, a maioria criada pela própria
empresa que fabrica o produto . Ou seja, a resposta é muito simples, “preciso
de alguma forma comunicar que sou sustentável, que sou verde”. Isto é
sustentabilidade?
Reflita agora como consumidor. Qual
imagem acima tem maior apelo de venda?
O problema é crônico, pois estas imagens
apesar de ajudarem a vender, perpetuam a pobreza e as práticas - que por mais
"tragicômico" que sejam – não são sustentáveis!
A questão principal é, portanto, a
imagem ideal do que é a “gestão sustentável”. Ela é em boa parte distorcida
como vimos. É claro que os cafeicultores no mundo necessitam de apoio e
suporte, e necessitam de bons programas de apoio para gerar renda e se apropriar
desta renda. Mas a resposta para um mundo sustentável não está simplesmente em
assistencialismo ou em florestas. A resposta está em comunicar os verdadeiros
valores da gestão sustentável.
Esta é o grande avanço que o mundo do
café necessita. O Brasil está à frente em muitos aspectos, mas no mundo temos
condições de produção e subsistência completamente diferentes. Podemos sempre
nos perguntar: uma mudança nas regras do que é ser sustentável ajudaria o
Brasil? Sim, mas... O Problema é a visão do mundo sobre a sustentabilidade que
coloca outros valores e outros problemas à frente do essencial.
Sustentabilidade, amor, violência e
corrupção: aonde erramos?
Saiba mais sobre o autor desse conteúdo:
POR: Paulo Henrique Leme Espírito Santo do Pinhal - São
PauloConsultor em Marketing estratégico no Agronegócio, especializado em café -
P&A Marketing Internacional. Doutorando em Administração de Empresas pela
UFLA. Realiza palestras sobre café, marketing, certificações,web 2.0, origem e
indicações geográficas
FONTE: CAFÉPOINT
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