Stedile defende
constituinte para evitar prolongamento da crise
Em junho, protestos sacudiram o Brasil,
agora, passado um mês daquele momento histórico, e após a realização do dia
nacional de paralisações, convocado pelas centrais sindicais e pelos movimentos
sociais. O dirigente acredita que está definitivamente enterrada qualquer
possibilidade de mudança política através do atual Congresso. E ele é taxativo:
“Se não viabilizarmos uma assembleia constituinte, entraremos numa crise
política prolongada, cujos desdobramentos ninguém sabe como acontecerão”. João
Pedro Stedile, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) afirma, em entrevista ao jornal Brasil de Fato, que se isso não for
feito, “entraremos numa crise política prolongada”.
Passado o primeiro mês das grandes
mobilizações e da paralisação de 11 de julho, que balanço você faz?
O resultado das grandes mobilizações
ocorridas em junho é extremamente positivo. A juventude passou a limpo a
política institucional e rompeu com a pasmaceira da política de conciliação de
classes, em que se dizia que todos ganhavam. Depois, tivemos a paralisação
nacional do dia 11 de julho – organizada pelas centrais sindicais e pelos
setores organizados da classe trabalhadora – que apesar da manipulação da imprensa
burguesa foi realmente um sucesso. A maior parte da classe trabalhadora nos
grandes centros do país não foi trabalhar. E seguiu-se em muitas cidades
mobilizações representativas ou massivas, por demandas locais, contra a
prepotência da polícia, contra os governos locais, como o caso do Rio de
Janeiro, Vitória, Porto Alegre, etc. Tudo isso recolocou as massas em movimento
atuando na luta política concreta e usando as ruas como espaço de disputa.
E qual o significado disso do ponto de
vista programático?
Do ponto de vista programático, estamos
assistindo a uma conjugação de dois polos: de um lado a juventude contestando a
forma de fazer política, a falta de representatividade do Congresso, do poder
Judiciário e governos. Desnudando a gravidade da crise urbana, na situação dos
transportes e a vida nas cidades. E fazendo a crítica à Rede Globo e apoiando a
democratização dos meios de comunicação. E de outro lado, com a entrada em cena
dos setores organizados da classe trabalhadora, foi posto na agenda as demandas
por reformas estruturais, relacionadas com as necessidades socioeconômicas de
todo o povo. Como é a garantia dos direitos sociais, contra a lei de
terceirização e precarização das condições de trabalho, pela redução da jornada
de trabalho e o fator previdenciário. Também a pauta da soberania nacional
contra os leilões de petróleo e a pauta da política econômica, contra as altas
taxas de juros, por uma reforma tributária, que revise inclusive a política de
superávit primário que vem sendo aplicada desde o governo FHC.
Por que a proposta da presidenta Dilma
de realizar uma constituinte e um plebiscito não prosperou?
A presidenta Dilma sentiu o barulho das
ruas e num primeiro momento apresentou a proposta de realização de uma
constituinte e a convocação de um plebiscito oficial para consultar o povo
sobre essas mudanças. Foi uma boa iniciativa, apesar de que o plebiscito
proposto estava relacionado a pequenas mudanças eleitorais, que não tinham uma
relevância maior de reforma política. Mas, por incrível que pareça, ela foi
boicotada e derrotada. Primeiro por sua base parlamentar, que na verdade não é
base do governo, é base das empresas que financiaram suas campanhas. Segundo,
foi boicotada pelo PMDB e por parte da própria bancada do PT. E assim está definitivamente
enterrada qualquer possibilidade de mudança política através do atual
Congresso. Ou seja, se comprovou, mais uma vez, que ninguém corta seus próprios
privilégios. Pior. Em meio a toda essa mobilização, os principais
representantes dos poderes constituídos se comportaram com escárnio frente às
demandas das ruas, ao usar os jatinhos da FAB para ir a festas e jogo da
seleção. E as maracutaias do presidente do STF com suas mordomias, sua
promiscuidade com a Globo, empregando um filho, e a denúncia de que recebeu
mais de 500 mil reais sem trabalhar da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ). Tudo isso deixou a presidenta derrotada politicamente. Acho que seu
futuro depende agora de muita coragem. Primeiro deveria fazer uma reforma
ministerial para trocar imediatamente vários ministros da área política, Casa
Civil, da Justiça e da Comunicação que ainda não escutaram as ruas… E dar uma
prova de que quer mudar. Se afastar o mais rápido possível do PMDB e seguir
ouvindo as ruas!
Como você vê o comportamento e os
objetivos da burguesia brasileira frente a essas mobilizações?
Os setores organizados da burguesia
brasileira e que a representam nos mais diferentes espaços também ficaram
atônitos diante das mobilizações, sem saber o que fazer e tateando suas
táticas. Vejam a própria postura da Globo como foi se alternando ou as
orientações que davam para suas polícias militares. Eles continuam divididos.
Uma parte continua apoiando o governo Dilma, embora preferisse que o Lula
voltasse para dar mais segurança ao pacto de classes que se estabeleceu em
2002. E outra parte da burguesia, mais ligada ao agronegócio e ao setor
rentista do capital financeiro, se articula em torno de um único objetivo:
desgastar ao máximo o governo Dilma para colher os frutos nas eleições de 2014.
Porém, eles ainda não têm um candidato que consiga representar seus interesses
e ao mesmo tempo capitalizar os desejos de mudança das ruas. Até porque eles
não são a mudança, eles são o retrocesso, a volta aos programas neoliberais e a
maior dependência do Brasil aos interesses estrangeiros. Eles vão continuar
tentando motivar a juventude para que coloque temas reacionários ou utilizar o
7 de setembro para exaltação da pátria, como faziam no passado. Mas, para nossa
sorte, acho que eles também estão mal na foto, como diz o ditado. E a juventude
não entrou nessa. E com a entrada da classe trabalhadora em cena, se colocaram
temas da luta de classe na rua.
O que deve acontecer nas ruas daqui para
frente?
É muito difícil prever o desdobramento.
É certo que as mobilizações vão continuar. Tanto de maneira pontual contra
questões locais, como o caso do governador do Rio de Janeiro, os pedágios de
Vitória, a luta pela tarifa zero, que só está começando… E os setores
organizados da classe trabalhadora já se programaram para diversas mobilizações
durante todo o mês de agosto. Dia 6 de agosto teremos manifestações dos setores
sindicais, na frente de todas as sedes patronais, contra o projeto de
terceirização e pela redução da jornada de trabalho. Na semana de 12 de agosto,
teremos uma grande mobilização dos jovens estudantes, por temas relacionados
com a educação. Dia 30 de agosto está marcada nova paralisação nacional com a
mesma pauta política e econômica da mobilização do dia 11 de julho. Tenho
certeza que essa paralisação será ainda mais significativa. E na semana de 7 de
setembro teremos mobilizações contra os leilões do petróleo, da energia
elétrica, as mobilizações do grito dos excluídos que envolvem as pastorais das
igrejas etc. Assim, teremos um agosto muito ativo. Mas o principal é que
consideramos que está se abrindo um novo período histórico de mobilizações de
massa, que será prolongado, até que se altere a correlação de forças políticas
na institucionalidade.
E qual é a proposta dos movimentos sociais
frente a essa situação?
Frente a essa conjuntura, temos
discutido nos movimentos sociais e realizado inúmeras plenárias locais,
estaduais e nacionais dos mais diferentes espaços para ir acertando os passos
unitários. Achamos que devemos estimular todo tipo de mobilização de massa nas
ruas, como já descrevi sobre o mês de agosto. E por outro lado, a única saída
política a curto prazo é lutarmos pela convocação de uma constituinte exclusiva
para promover as reformas políticas que abrirão espaço para as necessárias
reformas estruturais. Como o Congresso não quer constituinte e derrotou o
próprio governo, cabe às forças populares se mobilizarem e convocarem por conta
própria um plebiscito popular que pergunte ao povo uma única questão: você acha
necessário uma assembleia constituinte exclusiva para realizar as reformas? E
com esse plebiscito popular, organizado por nós mesmos, colher milhões de
votos, por exemplo, entre setembro e novembro, e aí fazer uma grande marcha a
Brasília e entregar ao parlamento a proposta, para que eles convoquem a eleição
dos constituintes junto com a eleição de 2014. E aí teríamos o Congresso
temporário, funcionando, e outra assembleia constituinte que teria, por
exemplo, seis meses (durante o primeiro semestre de 2015) para promover as
reformas que as ruas estão exigindo. No próximo dia 5 de agosto, realizaremos
uma plenária nacional de todos os movimentos sociais brasileiros, para debater
essa e outras propostas e aí darmos os encaminhamentos necessários. Espero que
os dirigentes que por ventura lerem essa entrevista se motivem a participar
dessa importante plenária que será realizada em São Paulo.
Mas você acha que essa proposta tem
viabilidade política?
Nesse momento estamos fazendo muitas
consultas entre os movimentos sociais, correntes partidárias, forças populares
e a aceitação é muito grande. Se conseguirmos organizar um plebiscito popular e
ele recolher milhões de votos, isso será a pressão para encontrar uma saída
política. Se não viabilizarmos uma assembleia constituinte, entraremos numa
crise política prolongada cujos desdobramentos ninguém sabe como acontecerão.
Até porque as eleições de 2014 não vão resolver os impasses colocados nas ruas.
FONTE: CORREIO DO BRASIL
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