Nota pública em
apoio à Operação Lava Jato
ANPR repudia recentes declarações do
ministro Gilmar Mendes e contesta pontos do inquérito anunciado pelo ministro
Dias Toffoli
Tendo em vista as inaceitáveis ofensas
proferidas, em sessão plenária ocorrida ontem (14/03), pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes contra procuradores da força-tarefa da
Operação Lava Jato, bem como a abertura de inquérito pelo presidente do STF,
ministro Dias Toffoli, a Associação Nacional dos Procuradores da República
(ANPR) vem a público manifestar:
Ao longo dos últimos anos, Gilmar Mendes
tem se utilizado de sua posição para uma prática rotineira de caluniar, difamar
e injuriar os próprios colegas de toga, integrantes do Ministério Público e
qualquer outra voz da sociedade que se coloque contrária aos seus interesses.
Para isso, utiliza-se de palavras reprováveis sob qualquer ponto de vista, com
conjecturas teratológicas e acusações irresponsáveis. Atitudes que não coadunam
com o que se espera de um ministro da mais alta Corte de Justiça do país.
Adjetivos como “gentalha”, “cretino”, “desqualificado” e “reles” são
inconcebíveis em qualquer tribunal que funcione sob um Estado Democrático de
Direito.
A ANPR repudia e espera que comentários com
a gravidade e a irresponsabilidade dos ouvidos na sessão do STF sejam abolidos
por autoridades públicas e, principalmente, que o trabalho de integrantes do
Ministério Público e a instituição Ministério Público sejam respeitados, sem
tentativas de cerceamento. Os procuradores da República que atuam nessa
força-tarefa têm o respeito e a solidariedade integral da ANPR, representativa
de seus colegas do MPF. Ataque a um membro do MPF em razão de sua função é um
ataque a todos.
Em relação ao inquérito aberto pelo
presidente Dias Toffoli, anunciado na sessão do STF, cabe ressaltar que é
prerrogativa também de integrantes do Ministério Público o direito fundamental
da liberdade de expressão, conforme prevê o artigo 5º, incisos IV e IX da nossa
Constituição. O Ministério Público não fala apenas nos autos. Deve defender
suas opiniões oficiais nos vários ambientes de debate público. Ninguém deve ser
punido por ser duro, ácido ou agudo nas críticas, nem por expressar aquilo que
pensa, sobretudo quando há nítido interesse público no debate de pontos de
vista fundamentais à implementação do rule of law, como direito de todos e
objetivo último da Nação.
O desejo de coibir manifestações legítimas
de promotores e procuradores por meio de procedimentos disciplinares é via
oblíqua que tenta interromper, por meios ilegítimos, a marcha de ações penais
de combate à corrupção. Tentar calá-los é impor mordaça a todos os membros do
Ministério Público brasileiro.
É uma garantia da sociedade o juiz
imparcial e, por isso, o sistema jurídico-constitucional brasileiro, de forma
consolidada e pacífica, e há décadas, consagra a ideia de separação radical
entre o Estado juiz e o Estado acusador e investigador. Juiz não investiga.
Tribunal não deve investigar. Outros órgãos do Estado têm este papel, para
preservar o Judiciário a ser neutro — ou se terá um juiz/acusador de exceção —
e como garantia de que cada cidadão tenha um julgamento justo, isento e
imparcial. O inquérito determinado, assim, para além de contrariar a
Constituição — o que já é suficiente para ser, data vênia, imprestável —,
coloca em xeque a isenção e imparcialidade do Poder Judiciário, e produzirá
elementos nulos em qualquer processo.
Por outro lado, se a intenção é investigar
Procuradores da República — e, sem que pese ser irregularmente vaga a portaria
inaugural, o contexto permite essa conclusão —, as leis aplicáveis, posteriores
e especificas em relação ao regimento do STF, afirmam que isso só pode ser executado
após apreciação, decisão e sob indicação da PGR, e ninguém mais. Nem o STF pode
desrespeitar leis, e não cabe usurpar a função da PGR.
Tal inquérito também foi instaurado de
forma heterodoxa, não tem objeto específico e houve a designação específica
para outro ministro, sem regular distribuição. Também não há razão jurídica
para mantê-lo em trâmite no STF, já que não há indicação de qualquer
investigado que detenha prerrogativa de foro no Tribunal. Como o inquérito não
tem fato determinado a ser investigado, está aberta a possibilidade de que
qualquer parlamentar, jornalista ou cidadão em geral possa responder
criminalmente por uma crítica feita a um ato do Supremo Tribunal Federal. Ele
não pode prosperar.
Premiada e reconhecida nacional e internacionalmente,
a Operação Lava Jato é a maior investigação contra a corrupção da história, e a
atuação da força-tarefa fundamenta-se em trabalho sério e isento.
José Robalinho Cavalcanti
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR
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