Ampliação do
poder dos estados de criar leis gera polêmica em audiência
Eventuais riscos na criação de leis
estaduais em direitos processual e agrário causaram polêmica em audiência
pública realizada nesta quarta-feira (22) pela Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ). Na reunião foi discutida a Proposta de Emenda à
Constituição 47/2012, que amplia a competência legislativa dos estados e deverá
entrar na pauta da CCJ na próxima quarta-feira (28). Os riscos foram apontados
pelo conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil Renato da Costa
Figueira; pelo secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça,
Gabriel Sampaio; e pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e José Pimentel
(PT-CE).
Figueira manifestou temor de que a
permissão para as assembleias legislarem sobre direito processual, que consta
da PEC, leve alguns estados a ampliarem as hipóteses de decretação de prisão
preventiva previstas no Código de Processo Penal. Segundo ele, as cadeias, que
estão superlotadas, não resolvem e não ressocializam os presos. O conselheiro da OAB advertiu que essa
permissão para os estados viola o dispositivo constitucional que protege as
cláusulas pétreas.
Também o representante do Ministério da
Justiça manifestou preocupação com o impacto dessas normas processuais de nível
estadual sobre o direito material. Sampaio citou como exemplo a possibilidade
de uma alteração de prazo por norma processual nos estados afetar o direito de
defesa. Ele viu dificuldade também em delimitar a fronteira entre uma norma de
interesse regional, em que os estados poderiam exercer sua competência legislativa
de forma plena, e a garantia de direitos fundamentais.
— É, certamente, muito importante que
esse tema seja debatido à exaustão. Não tenho dúvida de que, à luz da nossa
Constituição e desse debate exaustivo, seremos capazes de avançar sempre mais
no tratamento democrático dessa matéria — acrescentou.
Preservação
Após lembrar que 92% do ecossistema do
Amapá são preservados, o senador Randolfe Rodrigues expressou sua preocupação
de que a competência para os estados legislarem sobre direito agrário, de forma
concorrente com a União, leve à destruição dessa natureza protegida. Ele
advertiu que o poder econômico do latifúndio poderá funcionar na edição de
normas de direito agrário de nível estadual.
Manifestou apreensão também quanto à
resolução dos conflitos agrários por norma estadual e quanto à possibilidade de
flexibilização das regras de licitação pública em estados com pouco rigor no
combate à corrupção. É que, conforme a PEC, além de legislar sobre direito
agrário, os estados passariam a ter competência para criar leis sobre licitação
e contrato de forma concorrente com a União.
Autor do requerimento para a realização
da audiência pública, o senador José Pimentel (PT-CE) afirmou que o problema
maior não é falta de legislação. Ele lembrou que o número de presos no Brasil,
em dez anos, subiu de 250 mil para 607 mil. Também há 200 mil pessoas
condenadas com mandados de prisão expedidos e não cumpridos por não haver onde
colocar esses presos.
— O problema é de outra natureza e não
de legislação. Multiplicamos por três [o número de presos], nos últimos dez
anos, e não demos conta da violência no Brasil. Muito pelo contrário, a
violência está se expandindo — disse o senador.
No "mundo do processo civil",
acrescentou, há 105 milhões de ações tramitando nos vários fóruns, para uma
população de pouco mais de 200 milhões de habitantes. Para o senador, isso tem
um mérito, pois "a sociedade acredita nas suas instituições e ajuíza seus
processos, mas tem um demérito muito forte".
— Estamos construindo uma população
intolerante, que não consegue fazer a mediação e vai direto ao Poder
Judiciário. E isso tudo implica o fato de que, hoje, levamos em média 12 anos
para uma prestação jurisdicional. Então, não é falta de legislação; é falta de
estrutura no nosso Estado, no Poder Judiciário, para dar conta dessa avalanche
de processos e, ao mesmo tempo, um ambiente em que a sociedade não conseguiu
evoluir para se compor nos seus conflitos — afirmou.
Procedimentos
Já o presidente da Assembleia
Legislativa de são Paulo, Fernando Capez (PSDB), afirmou que a PEC poderá
ajudar os estados na redução das demandas judiciais. Ele citou o exemplo de seu
estado, onde há 24 milhões de processos em tramitação na Justiça. Desses, 14
milhões são referentes a execução fiscal em que, na sua avaliação, se poderia
evitar a judicialização.
— Nós poderíamos estabelecer um
procedimento prévio de conciliação em que o estado, o município e até a União
façam convocação dos devedores, parcelamento dos débitos e protesto, para só
então ingressar com a execução fiscal.
Capez disse que a intenção das
Assembleias Legislativas, quando apresentaram a PEC no Senado, nunca foi no
sentido de que os estados legislem sobre questão que restrinjam direitos e
garantias individuais. Contestando o representante da OAB, ele afirma que
"isso está fora de questão".
Revisão
O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA)
discordou dos palestrantes que apontaram violação a cláusulas pétreas e
garantiu que a PEC apenas dá início à revisão do pacto federativo. O senador
Sérgio Petecão (PSD-AC) disse que as assembleias legislativas têm custo alto e
produzem pouco. Para ele, a PEC retira os parlamentos estaduais da ineficiência
e reconhece a importância dessas instituições.
O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP)
afirmou que a paralisação do Estado brasileiro prejudica o país e que as
assembleias não dispõem de competência legislativa para fazer o Brasil avançar,
"por conta desse engessamento criado na Constituição".
O relator da PEC, senador Antonio
Anastasia (PSDB-MG), que presidiu a maior parte da audiência pública, salientou
que a proposta não viola cláusula pétrea da Constituição. Segundo ele, de
maneira contrária, fortalece a federação, ao ampliar a competência legislativa
dos estados. Ele reconheceu que dois temas destacaram-se na audiência - a
competência em matéria processual e em direito agrário.
— Não vejo dificuldades para que a
redação possa compor esses dois pontos, que foram os mais acesos durante os
debates nesta audiência — afirmou.
Parte da reunião, que se realizou das
10h20 às 13h20 no Plenário 3 da Ala Alexandre Costa, foi presidida pelo senador
José Maranhão (PMDB-PB).
Fonte: Agência Senado
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