Especialistas apontam
distorções no uso das cotas para deficientes
As cotas para pessoas com
deficiência ingressarem no serviço público estão sendo utilizadas, numa espécie
de "jeitinho", por quem tem problemas considerados leves demais. Com
isso, saem prejudicados aqueles que realmente enfrentam dificuldades para
ingressar no mercado de trabalho em razão de sua deficiência. Essa foi a tônica
do debate realizado nesta quarta-feira (14) pela Comissão de Assuntos Sociais
(CAS) sobre a questão das cotas para deficientes.
A Lei Brasileira de Inclusão
(Lei 13.146/2015), prevista para entrar em vigor em janeiro de 2016, deve
alterar um pouco essa realidade, disseram os palestrantes. Mas, na opinião
deles, é fundamental que a regulamentação da nova legislação leve em conta os
critérios de funcionalidade da pessoa com deficiência e até que ponto essa
deficiência prejudica sua integração social. Para os especialistas ouvidos pela
CAS, não basta constatar a existência do problema, baseado em diagnóstico
médico-biológico, como tem ocorrido.
Eles defendem ainda que a
legislação nacional seja atualizada à luz da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e
da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da
Organização das Nações Unidas (ONU), ratificada pelo Brasil em 2009.
O autor do pedido de
audiência, senador Waldemir Moka (PMDB-MS), propôs a criação de um grupo de
trabalho com participantes da audiência e a Consultoria do Senado para propor
essa atualização legislativa, que ele considerou essencial. Mas o senador e os debatedores
chegaram ao entendimento comum de que é melhor esperar a Lei Brasileira de
Inclusão entrar em vigor para analisar com maior eficiência quais são os
ajustes legais necessários.
Funcionalidade
De acordo com Adérito Guedes,
chefe do Setor de Perícia Médica do Ministério Público Federal, pessoas que tem
dois dedos dos pés amputados estão concorrendo em igualdade, nas vagas
reservadas para os cotistas, com quem não tem as duas pernas e anda com cadeira
de rodas. Graças à judicialização e aos mandados de segurança, amparados pela
falta de normas que permitissem graduar as deficiências, explicou ainda,
pessoas com cegueira unilateral são consideradas iguais em direitos às que não
enxergam nada, por exemplo.
— A funcionalidade é mais
importante para definir uma deficiência do que simplesmente um diagnóstico
médico — alertou.
O procurador da República no
Distrito Federal Felipe Fritz Braga afirmou que o Judiciário tem grande
dificuldade para aferir a capacidade de trabalho de uma pessoa com alguma
limitação funcional, mas que consegue levar uma vida relativamente normal. É o
caso, por exemplo, de quem perde a audição em um ouvido ou tem apenas um olho
cego. Nessas situações, observou o procurador, é questionável o direito de
concorrer a um cargo público em condições especiais.
— O Judiciário tem
dificuldade para ver isso, em grande parte porque nossas normas não foram bem
redigidas nesse aspecto — afirmou.
Rosylane Nascimento das
Mercês Rocha, conselheira do Conselho Federal de Medicina, lembrou que os
candidatos que concorrem pelas cotas de deficiência e são barrados graças aos
laudos e avaliações, sempre recorrem ao Judiciário e ganham, por menor que seja
o problema. Ela alertou para a necessidade de um levantamento detalhado de
quantas e quais pessoas com deficiência estão sendo beneficiadas com a lei e
ingressando nos quadros do serviço público. Pela sua experiência, afirmou, não
estão sendo priorizadas pessoas com grandes deficiências, mas sim quem perdeu
dois dedos, tem limitações de extensão de algum membro ou encurtamento da
perna.
— E isso não prejudica
alcançar o objetivo que o legislador buscou para a pessoa com deficiência —
afirmou.
Novo modelo
Todos os palestrantes —
incluindo a representante do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e
Direitos Humanos, Liliane Bernardes — se manifestaram no sentido de que a
análise da deficiência deve considerar os pressupostos da Classificação
Internacional de Doenças (CID) e da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).
Liliane Bernardes adiantou
que a regulamentação da LBI levará esses fatores em consideração, já que a
definição de deficiência da nova lei é mais ampla e exige a compreensão de um
novo paradigma sobre a deficiência, baseado no modelo social/biopsicossocial e
não mais exclusivamente no enfoque médico.
Um “índice de funcionalidade”
deve ser criado, para avaliar tanto a entrada nas cotas do serviço público
quanto o acesso das pessoas com deficiência a benefícios como o da prestação
continuada ou do passe livre, por exemplo, revelou Liliane. Esses novos
parâmetros ainda estão sendo estruturados, informou ela, que conclamou os
palestrantes e os senadores presentes à audiência pública a ajudarem nessa
elaboração.
Também participaram da
audiência Thays Rettore, membro do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de
Medicina Legal e Perícias Médicas, e Everton Pereira, pesquisador da
Universidade de Brasília (UnB).
Fonte: Agência Senado
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