Apoio à
descriminalização do porte de droga para consumo pessoal prevalece em debate
A descriminalização do porte de drogas
para consumo pessoal foi defendida pela maioria dos convidados reunidos em
debate nesta terça-feira (20) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ), em especial por aqueles ligados ao Direito. Já especialistas da área
médica pediram cautela e apontaram a possibilidade de aumento do consumo de
drogas pela redução da percepção de risco.
Para Maria Lúcia Karam, da entidade Law
Enforcement Against Prohibition (LEAP), a criminalização do porte de droga,
prevista na Lei 11.343/2006, fere a Constituição Federal. Ela argumenta que a
prática oferece perigo apenas à saúde do usuário, dizendo respeito às suas
opções pessoais, à sua intimidade e liberdade.
– Em uma democracia, o Estado não está
autorizado a intervir em condutas dessa natureza. O Estado não pode tolher a
liberdade dos indivíduos sob o pretexto de protegê-los. Enquanto não atinja
concreta, direta e imediatamente um direito alheio, o indivíduo é e deve ser
livre para pensar, dizer e fazer o que bem quiser — afirmou.
Na avaliação de Maria Lúcia Karam e de
Ubiratan Araújo, da ONG Viva Rio, a guerra aos traficantes causa mais prejuízos
ao país do que o consumo de entorpecentes. Conforme afirma, não seriam as
drogas, mas a proibição do uso das mesmas que causa violência.
– É preciso legalizar a produção, o
comércio e o consumo de todas as drogas para, assim, pôr fim ao mercado ilegal
e devolver ao Estado o poder de regular, limitar, controlar, fiscalizar e taxar
tais atividades, da mesma forma que o faz em relação às drogas já lícitas, como
o álcool e o tabaco – disse a representante do LEAP.
Também a professora Beatriz Vargas
Ramos, da Universidade de Brasília (UnB), criticou a criminalização do porte de
entorpecentes e a ineficiência da política de combate às drogas.
— Em nome de uma abstrata saúde pública,
os que defendem a criminalização do uso das drogas, por meio da prisão, têm
produzido cadáveres, pessoas que morrem em nome dessa bandeira que é a guerra
ao tráfico.
Ela citou estudo feito no Distrito
federal, mostrando que 98,7% dos processos que geraram condenação por tráfico
dizem respeito a apreensões de até dez quilos de maconha, cocaína e crack. Para
a professora, os recursos e o tempo investido no combate às drogas chegam
apenas aos “varejistas”, nome dado por ela a pequenos traficantes.
A opinião foi compartilhada pelo juiz
José Henrique Torres, do Tribunal de Justiça de São Paulo, para quem a política
antidrogas fere diversos princípios constitucionais, como o da racionalidade.
— Gastamos bilhões de dinheiro público,
prendemos milhões de pessoas e essas medidas são ineficazes, são pífias –
disse, ao ressaltar que as medidas até hoje adotadas não conseguiram conter o
narcotráfico ou reduzir os níveis de consumo de drogas.
Riscos
A médica Analice de Paula Gigliotti,
representante da Associação Brasileira de Psiquiatria, reconheceu os custos da
criminalização, entre eles os gastos para o combate a traficantes e o estigma
social do usuário de drogas, mas também apontou custos da descriminalização.
– [Pode haver] um possível aumento do
consumo pela redução da percepção de risco e, com isso, o aumento dos danos à
saúde. Se há redução na percepção de risco, há aumento de consumo
principalmente pelos adolescentes – afirmou.
Em analogia ao cigarro, ela observou
que, em 1998, 35% dos brasileiros eram fumantes, índice que caiu para 13% hoje,
resultado das medidas restritivas adotadas, como a proibição de fumar em locais
públicos, e de campanhas antitabagismo.
Analice Gigliotti disse não haver
informações suficientes para embasar mudanças na legislação e sugeriu a
realização de pesquisas que possam subsidiar as decisões.
— Afinal, a melhor abordagem para o
assunto não é a liberalizante ou a restritiva, mas a certa, e esta nós ainda
precisamos descobrir qual é — frisou, ao apontar os diversos prejuízos à saúde
pelo uso de entorpecentes.
Também o médico e pesquisador José
Alexandre de Souza Crippa, da Faculdade de Medicina da USP, analisou os riscos
do consumo da maconha. Ele citou estudo feito na Suécia, que acompanhou 50 mil
pessoas por 35 anos e concluiu que o uso de maconha pode aumentar em 370 vezes
as chances esquizofrenia. Destacou ainda pesquisas científicas mostrando
efeitos negativos sobre áreas cerebrais de usuários da droga, mais evidentes
nos jovens.
O professor Renato Malcher Lopes, da
UnB, concordou que a maconha pode causar danos irreversíveis ao cérebro dos
jovens, mas contestou dados de que o consumo da planta aumentaria o risco de
esquizofrenia. Ele é favorável à descriminalização, mas com proibição de
consumo para pessoas ainda em desenvolvimento, exceto em casos médicos.
Uso medicinal
Alexandre Crippa defendeu a legalização
do uso medicinal de substâncias existentes na planta cannabis sativa, nome
científico da maconha. Ele citou o caso da substância canabidiol, que não
provoca efeitos psicoativos e reúne propriedades analgésicas e
anticonvulsivantes, entre outras. O pesquisador citou as dificuldades dos pais
da menina Anny, de cinco anos, em importar medicamento com a substância, para
controlar crises convulsivas da filha. O caso foi noticiado pelo programa
Fantástico, da TV Globo.
Substitutivo
Na presidência do debate, o senador Antonio
Carlos Valadares (PSB-SE) detalhou mudança que apresentou ao artigo 28 da Lei
11.343/2006, que criminaliza o porte de droga. O parlamentar é relator do PLC
37/2013, que reformula a lei. O texto tramita na CCJ.
Conforme explicou, o artigo estabelece
que, para determinar se a droga se destina a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à
conduta e aos antecedentes do agente.
– Nós achamos que esta redação, quando
fala em "circunstâncias sociais e pessoais", é um tanto quanto
discriminatória, preconceituosa, dando margem a subjetivismo.
No substitutivo que apresentou ao
projeto, ele exclui a expressão e determina que, “salvo prova em contrário,
presume-se a destinação da droga para uso pessoal, quando a quantidade
apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias,
conforme limites definidos pelo Poder Executivo da União”.
Ao final da audiência pública, o senador
Cristovam Buarque (PDT-DF) disse que as opiniões apresentadas no debate serão
consideradas no relatório que o parlamentar prepara sobre a Sugestão 8/2014,
encaminhada por meio do Portal e-Cidadania e que sugere a regulamentação do uso
recreativo, medicinal e industrial da maconha.
A sugestão será analisada pela Comissão
de Direitos Humanos, Defesa do Consumidor e Legislação Participativa (CDH) e,
se acolhida, será transformada em projeto de lei, que passará a tramitar no
Senado.
FONTE: AGÊNCIA SENADO
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